Eh
novembro... Mas essa historinha começou
em maio... E há quase 22 anos... Eu e
minha turma escolar tivemos uma DR familiar daquelas... E o resultado foi uma
apresentação que bombou e polemizou o Dia das Mães na escola e adjacências...
Juiz
de Fora, de novembro de 2016.
Prezada Tiah
Luh (Tah do jeitinho que vc. prefereh?!)
Bom dia e/ou
boas tardes e, boas noites!... Quer dizer bons todos os turnos escolares em que vc. trabalha...
Então...
Na historinha de hoje, vou te responder àquela pergunta que vc. me fez:
─ Por que vc. afirma que discutir qualquer preconceito, no Brasil, é fazer DR
familiar?!...
Então... Tiah Luh... Eram os anos 90... Eu estava morando na Zona Norte e, lecionando numa escola municipal, que atendia à tradicional comunidade da
várzea do bairro Benfica e às novas comunidades do entorno*...
Eram anos
renovadores mas difíceis. Companheiras
de luta haviam assumido a direção e a coordenação... E nós estávamos em meio à
luta pra vencer o alto índice de repetência e, de invasão... E tínhamos pela
frente, o desafio de implantar as reformas e as mudanças no sistema educacional
do país e, da rede pública escolar da cidade...*
─ Tão lembradas... Queridas Tias NR, GE, CR e etc.?...
─ Tão lembradas... Queridas Tias NR, GE, CR e etc.?...
Pois bem naquele ano, eu tinha
assumido, mais uma vez, a regência de uma turma "daquelas"!... Turmas "daquelas" ?!
Daquelas que 1/3 tinha déficit em aprendizagem, 1/3 tinha grave problema
de disciplina e o outro 1/3 tinha os
dois...
─ Tão lembradas, meninas?!...
Pois bem... No
início desse ano, eu e minha turma “daquelas” já tínhamos tido uma DR familiar
daquelas... Trabalhando a identidade da família e da comunidade, através do
nome e do sobrenome (uma das primeiras inovações curriculares d época),
descobrimos que mais da metade da turma era SILVA afro-descendente...
E mais da metade da metade era meio parente... Inclusive, aquela menina branquinha do cabelo bombril, cujo pai era dono de mercadinho, descobriu que aquele menino, que morava na comunidade que tinha sido invasão e, ela chamava acintosamente de macaco... Pasmem!... Esse menino era seu primo em terceiro grau!!! Mas erah!!
E mais da metade da metade era meio parente... Inclusive, aquela menina branquinha do cabelo bombril, cujo pai era dono de mercadinho, descobriu que aquele menino, que morava na comunidade que tinha sido invasão e, ela chamava acintosamente de macaco... Pasmem!... Esse menino era seu primo em terceiro grau!!! Mas erah!!
Bem... Esse embate foi resolvido através de uma reuniãozinha familiar na porta da
escola e, a leitura de uma letra de um
funk de sucesso na época:
─ ...♪... Era só
mais um Silva que a estrela não brilha... .♪¹
Que aliás o menino/macaco fez questão de trazer
a fita cassete com a referida canção....
Bão... Tia Luh... Mas as DRs não pararam por aí... Chegou Maio – Mês das
Mães... E em tempo de renovação, a gente não trabalhava só a figura tradicional de...
─ Mamãe é a rosa que papai colheu!...*¹
...E nem só....
─ ...♪... Com avental todo sujo de ovo...♪²...
─ Lembram, Meninahs?! Companheiras... Lembram?!...
Então... Foi numa dessa tardes letivas, que trabalhando o assunto MANHÊ... De
repente, no meio de uma atividade de colorir a figura que representava a sua
mãe, explodiu uma discussão:
─ ... E a sua mãi?!... Aquela pi... nega
pretah ....
─ E a sua... Aquela vadia... Mãe solteirah!!!
...
─ Êpaaaah! (Batidinha de apagador no quadro
negro)... Vamos parar?
─ Issuh... Vamos parar!! (Intervenção da aluna
centrada, moradora no centro de Benfica e, já com o discurso corretamente
político decorado.) Vamos parar de ofender as mães dos outros!!!...
─ E tem mais(Aparte do menino/macaco que era meu vizinho) A tiah não é
casada e tem uma filha... E não é vadiah!!!
─ É verdade,
tiaaah?! (Pergunta angustiadah de menininha princesinha tchutchuquinha...)
... ... ... Suspenseh!!!! Uma turma "daquelas" em súbito
silêncio e esperando ansiosamente a resposta da tiah!...
─ É verdade! Eu sou solteira e tenho uma filha!
─ Ah... Igual à minha irmã... O pai só ajudou fazer mas não ajudou
criar (Intervenção da sargentinha da turma)
E daeh?!... Daeh que houve um longo suspiro de alívio... Se a professora era mãe solteira,
qual era o problema da minha própria, da minha prima, da minha vizinha, da dona
do bar, da cantineira serem mães solteiras?!... E podiam até ser negas
pretas... Desde é claro que elas não fossem nem pi... e/ou vadias...
Eh... Tia Luh... Ainda não era toda a mudança que se esperava... Mas... esperah!!! Porque ainda não
acabou...
A gente tinha que escolher a
apresentação da turma no auditório, em homenagem ao Dia das Mães... Sugere,
rejeita, discute... Foi quando o menino/macaco levantou-se e determinou...
─ Jah sei!!! Nós vamos homenagear as mãin solteira...
─ Eh... Tiah... Ninguém nunca homenageou...(Intervenção da menina
corretamente política)
─ Mas tem como homenagear a mãe solteirah?!(Intervenção
da princesinha...)
Eh... Tiah Luh...Tinha! E no dia seguinte, eu levei uma fita cassete
e, aquele antigo toca-fitas K7... Mais a letra mimeografada de uma canção que
virou hino de uma turma daquelas:
─ ♪....Mamah Áfricah!!! A minha mãe é mãe solteira.. .♪... E tem que fazer mamadeira todo dia... ♪... Além de trabalhar como
empacotadeira nas Casas Bahia..♪³...
Eh... Tiah Luh... E no dia do auditório
em homenagem às Mães, uma professora regente e tia daquelas mais sua turma mais
daquelas ainda... Nós bombamos, espantamos toda a várzea de Benfica e adjacências... E ainda polemizamos, com um bando de Silvas&Cia
dançando e pulando mais menininhas carregando e ninando bonequinhas de todas
cores, raças e etnias...
─ ♪....Mamah Áfricah!!! A minha mãe é mãe solteira.. .♪... E tem que fazer mamadeira todo dia... ♪... Além de trabalhar como empacotadeira nas Casas Bahia..♪³...
Foi um sucesso!,,, Mas provocou reclamações e
discussões... Lembram?!...
─ Isso pode trazer problemas... E além do mais,
incentivar alunas a ser mães
solteiras...
Eh...Pois eh... Mesmo
distribuindo à plateia, um texto da pastoral local sobre a prevenção contra a
gravidez precoce e, a necessidade de se amparar
as mães solteiras , houve gente se queixando até ao pároco local... Mas o eco
daquele hino foi mais forte:
─ ♪...Mama África tem tanto o que fazer...♪... Além de cuidar neném...♪...Além de fazer denguin...♪... Filhinho tem que entender... ♪... Mama África vai e vem... ♪...Mas não se afasta de você...♪³
─ ♪...Mama África tem tanto o que fazer...♪... Além de cuidar neném...♪...Além de fazer denguin...♪... Filhinho tem que entender... ♪... Mama África vai e vem... ♪...Mas não se afasta de você...♪³
Prezada Tiah Luh e outras(os) leitoras(e) e/o companheiros(as) do magistério:
Não se
preocupem! Daquela minha turma "daquelas", ninguém se evadiu e, nem repetiu o ano e mais, elas e eles se
tornaram conscientes da sua etnia e, de suas condições familiares.
E mais, elas e eles se tornaram trabalhadoras(es) brasileiras(os) casadas(os) e/ou solteiras(os), criando sua prole com honra e dignidade. Capisci?!
Eh.. . Novembro... Serah que vc. e sua turma "daquelas" tão discutindo a questão da formação da consciência negra e o preconceito racial?...
Então... Com certeza, tá havendo DR e daquelas DRs familiares!...Bjuhs.. Saudações trabalhistas.
E mais, elas e eles se tornaram trabalhadoras(es) brasileiras(os) casadas(os) e/ou solteiras(os), criando sua prole com honra e dignidade. Capisci?!
Eh.. . Novembro... Serah que vc. e sua turma "daquelas" tão discutindo a questão da formação da consciência negra e o preconceito racial?...
Então... Com certeza, tá havendo DR e daquelas DRs familiares!...Bjuhs.. Saudações trabalhistas.
Tia Bebel
*-Referência a bairros e logradouros da Zona Norte da cidade Juiz de
Fora/Mg; referência à implantação do sistema de ciclos de aprendizagem na rede
pública de JF/MG;
*¹ - Versos de trovinha popular: Mamãe era a rosa/ Que papai colheu/ eu
sou o botãozinho/ que a rosa deu.
♪¹ - versos da letra de “Rap do Silva”, de MC Bob Rum( Rj), funkeiro que iniciou sua
carreira em 1995;
♪² - versos da canção “Mamãe”, gravada por Angela Maria ( Abelim Maria
da Cunha,Conceição de Macabu, Rj/1929) cantora e intérprete brasileira;
♪³ - versos da canção “Mama Africa”, de Chico Cesar(Francisco Cesar
Gonçalves,Catolé,PB/1964), cantor,compositor, intérprete, jornalista e revisor
brasileiro;
