sábado, 12 de novembro de 2016

Das DRs sociofamiliares...

Eh novembro...  Mas essa historinha começou em maio... E há  quase 22 anos... Eu e minha turma escolar tivemos uma DR familiar daquelas... E o resultado foi uma apresentação que bombou e polemizou o Dia das Mães na escola e  adjacências...

Juiz de Fora,    de novembro de 2016. 

      Prezada Tiah Luh (Tah do jeitinho que vc. prefereh?!)
      Bom dia e/ou boas tardes e, boas noites!... Quer dizer bons todos os turnos escolares em que vc. trabalha... Então... 
      Na historinha de hoje, vou te responder àquela pergunta que vc. me fez: 
    ─ Por que vc. afirma que discutir qualquer  preconceito, no Brasil, é fazer DR familiar?!... 
      Então... Tiah Luh... Eram os anos 90... Eu estava morando na Zona Norte e, lecionando numa escola municipal, que atendia à tradicional comunidade da várzea do bairro Benfica e às novas comunidades do entorno*... 
      Eram anos renovadores mas difíceis.  Companheiras de luta haviam assumido a direção e a coordenação... E nós estávamos em meio à luta pra vencer o alto índice de repetência e, de invasão... E tínhamos pela frente, o desafio de implantar as reformas e as mudanças no sistema educacional do país e, da rede pública escolar da cidade...*        
    ─ Tão lembradas... Queridas Tias NR, GE, CR e etc.?... 
      Pois bem naquele ano, eu tinha assumido, mais uma vez, a regência de uma turma "daquelas"!... Turmas "daquelas" ?! Daquelas que 1/3 tinha déficit  em aprendizagem,   1/3 tinha grave problema de disciplina  e  o outro 1/3 tinha os dois... 
    ─ Tão lembradas, meninas?!... 
        Pois bem... No início desse ano, eu e minha turma “daquelas” já tínhamos tido uma DR familiar daquelas... Trabalhando a identidade da família e da comunidade, através do nome e do sobrenome (uma das primeiras inovações curriculares d época), descobrimos que mais da metade da turma era SILVA afro-descendente... 
      E mais da metade da metade era meio parente... Inclusive, aquela menina branquinha do cabelo bombril, cujo pai era dono de mercadinho, descobriu que aquele menino, que morava na comunidade que tinha sido invasão e, ela chamava acintosamente de macaco... Pasmem!... Esse menino era seu primo em terceiro grau!!! Mas erah!! 
      Bem... Esse embate foi resolvido através  de uma reuniãozinha familiar na porta da escola e, a leitura de uma  letra de um funk de sucesso na época: 
    ─ ...... Era só mais um Silva que a estrela não brilha... .¹
     Que aliás o menino/macaco fez questão de trazer a fita cassete com a referida canção....  
     Bão... Tia Luh... Mas as DRs não pararam por aí... Chegou Maio – Mês das Mães... E em tempo de renovação, a gente não trabalhava  só a figura tradicional de...
   ─ Mamãe é a rosa que papai colheu!...*¹
      ...E nem só....
   ─ ...... Com avental todo sujo de ovo...²... 
   ─ Lembram, Meninahs?! Companheiras... Lembram?!... 
    Então... Foi numa dessa tardes letivas, que trabalhando o assunto MANHÊ...  De repente, no meio de uma atividade de colorir a figura que representava a sua mãe, explodiu uma discussão: 
    ─ ... E a sua mãi?!... Aquela pi... nega pretah ....
    ─  E a sua... Aquela vadia... Mãe solteirah!!! ... 
    ─ Êpaaaah! (Batidinha de apagador no quadro negro)... Vamos parar?
    ─ Issuh... Vamos parar!! (Intervenção da aluna centrada, moradora no centro de Benfica e, já com o discurso corretamente político decorado.) Vamos parar de ofender as mães dos outros!!!... 
    ─ E tem mais(Aparte do menino/macaco que era meu vizinho) A tiah não é casada e tem uma filha... E não é vadiah!!! 
    ─ É verdade, tiaaah?! (Pergunta angustiadah de menininha princesinha tchutchuquinha...)  
      ... ... ... Suspenseh!!!! Uma turma "daquelas" em súbito silêncio e esperando ansiosamente a resposta da tiah!... 
     ─ É verdade! Eu sou solteira e tenho uma filha! 
     ─ Ah... Igual à minha irmã... O pai só ajudou fazer mas não ajudou criar (Intervenção da sargentinha da turma) 
          E daeh?!...  Daeh que houve  um longo suspiro de  alívio... Se a professora era mãe solteira, qual era o problema da minha própria, da minha prima, da minha vizinha, da dona do bar, da cantineira serem mães solteiras?!... E podiam até ser negas pretas... Desde é claro que elas não fossem nem   pi... e/ou vadias... 
         Eh... Tia Luh...  Ainda não era toda a  mudança que  se esperava... Mas... esperah!!! Porque ainda não acabou... 
     A gente tinha que  escolher a apresentação da turma no auditório, em homenagem ao Dia das Mães... Sugere, rejeita, discute... Foi quando o menino/macaco levantou-se e determinou...
   ─ Jah sei!!! Nós vamos homenagear as mãin solteira...
   ─ Eh... Tiah... Ninguém nunca homenageou...(Intervenção da menina corretamente política) 
   ─ Mas tem como homenagear a mãe solteirah?!(Intervenção da princesinha...) 
      Eh... Tiah Luh...Tinha! E no dia  seguinte, eu levei uma fita cassete e, aquele antigo toca-fitas K7... Mais a letra mimeografada de uma canção que virou hino de uma turma daquelas: 
    ─ ....Mamah Áfricah!!! A minha mãe é mãe solteira.. .... E tem que fazer mamadeira todo dia... ... Além de  trabalhar como empacotadeira nas Casas Bahia..³... 
        Eh... Tiah Luh... E no dia do auditório em homenagem às Mães, uma professora regente e tia daquelas mais sua turma mais daquelas ainda... Nós bombamos, espantamos toda a várzea de Benfica e adjacências... E  ainda  polemizamos,  com um bando de Silvas&Cia dançando e  pulando mais menininhas carregando e ninando bonequinhas de todas cores, raças e etnias...
     ─ ....Mamah Áfricah!!! A minha mãe é mãe solteira.. .... E tem que fazer mamadeira todo dia... ... Além de  trabalhar como empacotadeira nas Casas Bahia..³... 
      Foi um sucesso!,,, Mas provocou reclamações e discussões... Lembram?!...
    ─ Isso pode trazer problemas... E além do mais, incentivar alunas a  ser mães solteiras...  
      Eh...Pois eh... Mesmo distribuindo à plateia, um texto da pastoral local  sobre a prevenção contra a gravidez precoce e, a necessidade de se amparar  as mães solteiras , houve gente se queixando até ao pároco local... Mas o eco daquele  hino  foi mais forte:
       ...Mama África tem tanto o que fazer...... Além de cuidar neném......Além de fazer denguin...... Filhinho tem que entender... ... Mama África vai e vem... ...Mas não se afasta de você...³
       Prezada Tiah Luh e outras(os) leitoras(e) e/o   companheiros(as) do magistério: 

    Não se preocupem! Daquela minha turma "daquelas", ninguém  se evadiu e, nem  repetiu o ano  e mais, elas e eles  se tornaram conscientes da sua etnia e, de suas condições familiares. 
     E mais, elas e eles  se tornaram  trabalhadoras(es) brasileiras(os) casadas(os) e/ou solteiras(os),     criando sua prole com honra e dignidade. Capisci?!
       Eh.. . Novembro... Serah que   vc. e  sua turma "daquelas" tão discutindo  a questão da formação da consciência negra e o preconceito racial?...
          Então... Com certeza, tá havendo DR e daquelas DRs familiares!...Bjuhs.. Saudações trabalhistas.    
                                                                                                                   Tia Bebel


*-Referência a bairros e logradouros da Zona Norte da cidade Juiz de Fora/Mg; referência à implantação do sistema de ciclos de aprendizagem na rede pública de JF/MG;
*¹ - Versos de trovinha popular: Mamãe era a rosa/ Que papai colheu/ eu sou o botãozinho/ que a rosa deu.
♪¹ - versos da letra de “Rap do Silva”, de  MC Bob Rum( Rj), funkeiro que iniciou sua carreira em 1995;
♪² - versos da canção “Mamãe”, gravada por Angela Maria ( Abelim Maria da Cunha,Conceição de Macabu, Rj/1929) cantora e intérprete brasileira;
♪³ - versos da canção “Mama Africa”, de Chico Cesar(Francisco Cesar Gonçalves,Catolé,PB/1964), cantor,compositor, intérprete, jornalista e revisor brasileiro;